2. Segundo reportagem do Expresso, alguns pais teriam, em consequência da crise, penhorado temporariamente o computador Magalhães dos filhos para pagar a prestação da casa. Inquietação com as consequências da crise e os dilemas de quem com ela leva em cima? Não, apenas com mais um exemplo dos riscos dos subsídios aos pobres. Sobre a sensibilidade social da reportagem estamos conversados.
3. Pior, não é que segundo a reportagem do Expresso os malandros (quantos?) até vendem os computadores dos filhos na Feira da Ladra. Não lhos dessem, ora essa! A conversa é conhecida: há uns malandros que recebem fraudulentamente o rendimento mínimo garantido? Acabe-se com este subsídio à mandriagem.
4. Imagine-se o que seria dizer o mesmo de apoios públicos que beneficiam sobretudo pessoas de maiores rendimentos. Mas não, nesse caso a razão prevalece sobre o preconceito e, sensatamente, requere-se sim a punição do prevaricador e, eventualmente, mais fiscalização. Como prevalece também quando outros valores (como os da “família”) estão em causa. Imagine-se que, perante a descoberta de fraudes no abono de família se propunha o fim daquele subsídio: caía, e compreensivelmente, o Carmo e a Trindade.
5. Esta tolerância zero quando estão em causa os mais desfavorecidos lembra-me uma história que me foi contada por um dos fundadores da revista Cais, denunciando atitudes semelhantes. Ao que parece, um dos beneficiários do projecto teria conseguido vender não a revista mas a sua (inexistente) assinatura, a várias pessoas. Indignado, um dos lesados punha por isso em causa os méritos do projecto, não o comportamento do beneficiário em causa. A mesma intolerância que conhecemos quando está em causa o rendimento mínimo ou, mais recentemente, o Magalhães.
6. Ou seja, a tolerância é desigualmente distribuída e numa lógica cumulativa. No extremo, os pobres não têm direito a uma taxa, ainda que reduzida, de malandros no seu seio. Esta fica reservada para os ricos. Bem como as leituras “glamourosas” da vigarice, olhada desigualmente quando acontece nos salões ou na rua».
Rui Pena Pires,in Outubro
Sem comentários:
Enviar um comentário