«Excelência
Sr. C.E.M.F.A.
Sr. Tambra
Acautelando o devido respeito pelas altas funções que ora desempenha, obrigo-me, em resposta ao seu ofício - N/Ref. Nr. 2083/02.BA/09 - a não deixar de tecer algumas considerações, independentemente de circunstâncias em que me posiciono como militar e Combatente da Liberdade da Pátria. Compulsando a ofensa à minha dignidade nela contida e que suscita este agravo, devo exprimir-lhe, um forte sentimento de desagrado e preocupação em relação a uma série de acontecimentos que, com sua anuência e/ou sua conivência, mancham as Forças Armadas.
Desagrado porque entendo que o Senhor Tambra, não tem perfil para exercer aquelas funções, faltando-lhe qualidades e pergaminhos condizentes à altura do cargo para o qual foi premiado, como Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (CEMFA). Instituição importante e de enorme simbolismo para a identidade e soberania nacional.
Preocupação porque, consigo, as Forças Armadas tenderão a persistir numa instituição desvirtuada e prenhe de insídias como foram concebidas e geridas desde a sua criação. Resultante de oportunismos e promiscuidades políticas das antecedentes chefias, que pautaram a sua predominância pelo compadrio e hostilização de quadros politicamente avessos, dando ensejo à corrupção generalizada e aos desmandos nas Forças Armadas, que sob seu comando, representam o extremar de tal quadro.
De igual modo, previno-lhe que estas observações não podem ser escamoteadas, e tão-pouco deixam de ser conotados negativamente à imagem Institucional, e à dos que como o Senhor há mais de duas década à frente de estruturas de Comando desse organismo, nunca mostraram resultados atestáveis de alguma aptidão substantiva. A contrapor sequelas francamente negativas de 34 anos de gestão a pontapés, que de forma alguma justifica o peso das medalhas ostentadas ao peito. Sinceramente Sr. Tambra, não lhe enxergo qualidades cognitivas que lhe faculte raciocínios acima de uma conduta mecânica ou dirigida, que lhe concedam os apanágios das medalhas.
É a própria realidade a compelir tais leituras. O péssimo balanço de administração das F.A. nas duas últimas décadas é irrefutável. Cinge-se na sua completa inversão de valores, transformando os quartéis numa autêntica repartição ministerial, assistindo-se ao acréscimo vergonhoso e desmesurado de oficiais superiores e graduados, militares que pautaram a carreira por oportunismo, corrupção activa e passiva, e promiscuidade política.
Como corolário desses casos, destacam-se as querelas do “PCCS” (processos de promoções) como tarefa principal do quotidiano das tropas, seguido das campanhas de limpeza e serviços similares, cujos custos de ascensões amistosas e sua manutenção, o governo se vê em palpos-de-aranha por justificar aos parceiros tais desacertos. Adicionado ainda, o facto de relegarem para as calendas gregas as inquietações com os verdadeiros enigmas da Defesa e das Forças Armadas. Razão porque não pode ser ignorada a sua falta de pergaminhos para o exercício de tais funções.
A contribuir para tais aberrações, estão aqueles que lhe catapultaram a tal pedestal, recorrendo a vias ou raciocínios que a razão jamais explicaria, com a falta de critérios e ausência de transparência costumeiras. Estes jogos de bastidores, constituiram também, um insulto ao próprio Governo, que não concordavam com tal nomeação.
Com isso, os seus mentores revelaram de modo incontroverso, o desprezo absoluto que os inspiram as instituições do Estado, particularmente o Ministério da Defesa que sempre esteve sob atento olhar dos seus tutores que, entorpecidos pela presunção de experientes Comandantes, - salvo quatro excepções - jamais souberam imprimir-lhe uma Doutrina capaz de configurar um Sistema de Defesa credível, assente numa Estratégia subjacente e pragmática.
Julgo até que a sua nomeação para esse cargo foi deglutido a seco pelo governo, pois, acho pouco crível aceitar passivamente tamanho desprezo que representa a imposição de uma figura cujos méritos estão francamente aquém dos mínimos, onde despontam outros oficiais mais habilitados e com melhor trajectória ou visão da problemática das F.A. e da Defesa. Tudo porque o Sr. Tambra é, e sempre foi um exemplar vassalo dos que se intitulam virtuosos.
Todo esse esforço de manter o cordão umbilical às F.A., através dos seus satélites amanhados na primavera da Independência, sugere apenas a preocupação de uns, em consolidar o título obtido ”A testato”, aliás rubrica ainda vulnerável à contestação, que a conjuntura política os propiciou de uma fatalidade histórica. Usando-o mais para se olharem ao espelho dos seus desmedidos egos, para satisfazer vaidades de quem se julga pavão quando não passa de um simples perú engalanado. Outros, nem tanto, mas… Ora, convenhamos! Não será esta a via ajustada para se aquilatar o percurso e/ou o protagonismo daqueles que pela Liberdade se bateram…
Aliás, presume-se que entre os comandantes crioulos, todos foram virtuosos, todavia, uns apenas com uma efémera passagem pelas frentes durante a Luta na Guiné. Entretanto, existem uns mais virtuosos que outros, e no seu seio, aqueles com uma longa trajectória de relações de surdo conflito e de traições aos seus antigos companheiros de armas, tanto os de Cabo Verde como os da Guiné-Bissau, numa senda de luta maquiavélica pelo poder a nível do PAIGC e a nível do primeiro projecto da Unidade Guiné - Cabo Verde.
Para citar exemplos ainda recentes, de como continuam na rotina de traições, tal como aconteceu em 1980, com a rotura do pacto político entre a Guiné e Cabo Verde. Os ódios e medos do passado, não deixaram de se reflectir. Sendo certo que, no auge dos esforços da CPLP e CEDEAO para serenar os ânimos do conflito politico na Guiné Bissau, quando se esperava uma intervenção mais entendida dos Comandantes, dado aos laços históricos que ligam as independências dos dois países, eis que se recorre para assessoria naquele país, junto daquele organismo regional, a um obscuro pardal indicado para o efeito pelos seus tutores, sabendo-o alheio à realidade Guineense, quando por cá havia gente com melhor visão do conflito e laços de camaradagem junto dos protagonistas políticos e militares da Guiné.
Acresce ainda, que tais empenhos afiguram objectivamente e antes de tudo, diligenciar fonte de informação privada, do que exactamente prevenir o Governo caboverdeano. Tratando desde logo, extrair e/ou direccionar eventuais protagonismos para outros actores. Por outras palavras - apenas espionar - inserido nos esforços de paz encetados por aquele organismo Oeste-Africano naquele país irmão.
É caso para se perguntar, como classificar tais colaborações? Este assunto tem panos para manga… Porém, parece que nem mesmo com estes instrumentos, puderam antecipar os acontecimentos que resultaram na morte de Nino Vieira.
Posto isto, para que ajuíze a estirpe dos seus tutores, atinemos agora à gratuita injúria que o senhor ousou dirigir-me, prestando-se de serventia para me agredir, o que de facto apenas serviu para indispor atiçando-me esta indignação. Razão por que não posso deixar passar em vão tamanha afronta, sendo por isso legítimo retribuir-lhe, a si e aos que lhe instigaram tais procederes, a mesma desonra. “A carapuça a quem o serve”.
Nada disto é decerto surpreendente, tratando-se de um “Cipaio”. Mas exactamente porque o não é, torna-se incompreensível que me tenha convidado, como medalhável numa primeira instância para, num segundo momento, me retirar o convite. Aliás, invitação à que respondi afirmativamente. Felizmente o Diabo antecipou. Tal a surpresa que os aguardava publicamente… pois, acima das ferralhas estão os meus direitos usurpados por indivíduos de sua talha.
De resto, só por infinita e impensável ingenuidade – a que, perdoe-me a ousadia, apenas idiotas úteis costumam prestar-se – o Sr. Tambra toparia que eu me permitiria enfileirar nessa lista onde muitos decorados e condecorados jamais conheceram sequer um tirocínio, a honra a lealdade, ou que nunca comeram o pão que o Diabo amassou na guerra? Inclusive pessoas que eu mesmo tive a iniciativa de os fazer incorporarem nas F.A.R.P.
Fazendo uma retrospectiva, parece que a história se repete. Lembra-se, que em «89, nas vésperas da queda do regime de Partido Único, exactamente um ano antes das eleições legislativas, quando ainda era um obtuso e apagado capitão, a soldo de seus tutores, que conjecturando nomearam-no Comandante da Terceira Região Militar?
Lembra-se que logo de seguida, em jeito de atribuição de diplomas organizou-se com grande pompa, igual tipo de evento de condecorações, como que prelúdios da queda anunciada do regime? Na ocasião, quando os virtuosos comandantes organizaram-se, incluindo o senhor ainda vassalo júnior, para se converterem em heróis medalhados de primeira classe, e despudoradamente relegaram os verdadeiros protagonistas que morreram nas frentes de combate, para um segundo plano atribuindo-lhes medalhas de segunda classe? Esta a ver como nasceu o critério de condecorações? Imagine, se por acaso lhe sobra discernimento! Que valor atribuir às suas medalhas?
Assim foi, com os casos de Justino, Jaime e Zeca. O próprio Henrique Semedo, vítima de ostracização premeditada. Como foi permitida tanta hipocrisia e despudor? Isto é duma baixeza moral inqualificável. Que critério de justiça e solidariedade era esse entre camaradas? Na época apenas pesava sobre mim um suposto crime político… Por que razão me foi recusada tal privilégio? Como vê, a história parece querer repetir-se.
Como pode essa gente, inclusive você, arrogar-se o direito de pregar lições de moralidade, e evocar dignidade, prestígio e quejandos, se lhe ignoram o significado? Sabe o que faria dessa ferralha na sua presença? Nunca ouviu falar da raça dos FZEs de 69? Parte-se, mas não se verga… Portanto, não lhe admitimos a si e/ou os seus curadores, doutrina nesta matéria. Particularmente, vindos de quem não as tem para dar.
O Sr. Tambra sabe, e bem, que nunca tive ambições políticas e nem almejo o Generalato. Por natureza sempre fui um militante de causas, e nunca hesitei em aprimorar mestria e disponibilidade. Como certo, elegi a frontalidade como postura de urbanidade, não obstante os perversos efeitos inerentes. Todavia, prefiro a espada à parede, do que atolado no marnel a que fui empurrado, há cerca de quatro décadas…
Sr. General Tambra, para mim, as “Medalhas” ou condecorações, valem o que valem. Fundamentalmente pelos consensos e conteúdos que comportam, pelo contexto e transparência do simbolismo subjacente, pela sua objectividade e finalidade a que se propõe. Será o caso? Duvidamos. Senão vejamos:
O regulamento – DL, nr. 66/05 – Atabalhoado e pessimamente plagiado, talhado à medida de quem o concebeu, estatui intencionalmente condecorações, cujo grau tem por finalidade última a de se igualar aos Combatentes, numa grosseira tentativa de se erigirem em heróis, na expectativa de, por essa via afiançarem alguma probidade pós reforma, e um cantinho, mesmo que seja à porta da história. Uma vez que, recusada a pretensão de haver Generais, o topo da hierarquia militar actual parecia ser insuficiente. Neste caso, autocondecorando-se com algumas medalhinhas de primeira, não seria despiciendo…
De facto, essa sua atitude grosseira de anuir a evocação de uma Lei nova (DL nr.66/05), para sancionar um acto ocorrido há quase quatro décadas nem ao mafarrico lembrava - o delito de ter sido voluntário, um facto irreversível - e outro passado há mais de 12 anos, - punido com 4 anos de inelegibilidade - extravasa os extremos do ridículo, e constitui uma forma ordinária de encobrir os motivos subjacentes.
Pessoalmente, eu fui preterido de receber tal galardão, por alegadamente não ter perfil para tanto, contando para tamanha aleivosia um processo kafkiano a que terei sido condenado e cumprido em tempos de “caça às bruxas”, algo que não dignificaria a imagem institucional das Forças Armadas, razão porque não a esmiúço nesta Carta Aberta.
Em verdade, o que incomodou sempre os camaradas Comandantes e militantes fardados de sua talha, é a minha frontalidade, a minha convicção de rigor e praxis militar oriundos de uma escola de tradições, e a minha intransigência em relação ao respeito pela diferença, e pelos princípios democráticos que, por fim chegou a este país, e que regem esta Segunda República, ao qual, se me permite mais esta frontalidade, você, seus tutores e convivas, nunca se adaptaram muito bem.
O seu último acto de preterir-me, arrogando-se ao direito de fazer juízo de valores, sobre pessoas que nunca foram do seu círculo de amizades, procedendo a escolhas de critério duvidoso e inferências intoleráveis na atribuição das Medalhas pelo Mérito de Voluntariado, é na verdade imperdoável. Finge-se esquecer inclusive de civis e militares que mesmo sendo de outra cor política, o precederam no voluntariado. Isto mostra bem a sua raça de “Governador de Tabanka” e tarefeiro que é. Estes factos são elucidativos, e reiteram o manancial fraudulento de actos ilícitos e ilegais prevalecentes que vem exercendo nas Forças Armadas.
Além disso, a partir do momento em que alguém ocupando aquele cargo, aceita ou escamoteia – por razões ditas de engrenagem política – os atropelos e as ofensas aos fundamentos das Forças Armadas e à sua própria dignidade institucional, que mensagem passa ele não só para os quartéis onde ocorrem intoleráveis anormalidades de gestão dos recursos do Estado, mas também para a Nação inteira? Eis a questão que, a partir daqui, é legítimo colocar.
Prometo voltar a estes e outros temas relacionados e numa abordagem extensiva ao meu percurso de combatente – facto inquestionável - e militar, evocar a responsabilidade daquele(s) Camarada(s) que sempre me trataram com desapreço, de forma discriminatória, e indecorosa, havendo até procederes eivado de “racismo crioulo” e com sabor a regionalismos calculistas. Como se tivesse de pagar caro pelas minhas opções patrióticas no envolvimento na Luta de Libertação Nacional e na firme adesão à causa, desde que em 1970, renunciei a minha carreira militar, na Armada Portuguesa, para abraçar as FARP. Porém, sempre me orgulho de ter sido o único cabo-verdiano oriundo da Europa a combater na infantaria na Guiné. Verifique-o Sr. Tambra.
A par disto, devo adiantar que toda esta afronta vivida, tem raízes no passado histórico e terão a ver com os diferentes estatutos e papéis que uns e outros tivemos ao longo da luta de libertação nacional e que, por necessidade de celeridade política e de oportunismo de poder, uns foram marginalizando outros, sendo as vitimas sobretudo os da “Frente”, ou oriundos da extrema vanguarda na Guiné, como eu e alguns companheiros, durante o processo da Independência e Construção do Estado Nação.
Finalmente, Sr. Tambra, este propósito não tem por finalidade vociferar medalhas, mas sim desvendar um pouco os vossos procedimentos pérfidos em relação a quantos se viram traídos, pela opção escolhida na juventude. Tudo para lhe trazer o conforto e tranquilidade que hoje desfruta. Isto é, absorto numa “granda galhofa”…
Tão-pouco pretendo fazer disto, cavalo de batalha de quem fabulando-se padecente, utiliza burlas mediáticas, criando expectativas para dissimular pretensões irreveláveis. Tudo para se concluir finalmente que a montanha pariu um ratão aprendiz de feiticeiro.
Convido-o a considerar o episódio das medalhas uma página encerrada, elas nunca fizeram parte das minhas preocupações ou prioridades de vida. Contudo, se assim não entender terei sempre o prazer de abrir uma outra página e confronta-los com realidades cujas explicações, certamente exigirá de você alguma habilidade cognitiva em rever a matéria, a qual parece que mesmo à marretada nada aprendeu…
Ciente de que este assunto, a compulsar, provoque algum mal-estar e incite os escribas de serviço a uma “caça às bruxas”, não deixarei de, em primeiríssima pessoa, defender os meus valores, princípios e direitos. Não ignoro pois, a dimensão do risco incorrido, razão porque não excluo retaliações, nos dias que se seguirem à publicação desta carta. Mas serei sempre, um cidadão crítico e activo.
Creia-me que, apesar de algumas memórias terem sido adormecidas, por razões irreveláveis, todavia, a minha ainda felizmente preservo-a, e não ficou atordoada pela prática de canibalismo político instituído no país, por culpa da primeira República, da qual fui vítima, do perverso “Modus operandi” de alguns companheiros de percurso.
No fim de contas, mesmo que sem mandato, como VULUNTÁRIO sempre poderei dizer, como disse o mestre Amílcar Cabral: “Sou um simples Caboverdeano que quis saldar a minha dívida para com o meu povo e viver a minha época.” Na convicção de ter dedicado os melhores anos da minha juventude na promoção de tais prerrogativas para todos os cidadãos, entre os quais destaca-se o Sr. Tambra, e de Cabo Verde.
E o Senhor Tambra saldou o quê? Não considera que me deve um enorme tributo?
De V.Excia, ciente das habituais represálias, abertas ou encobertas, directas ou indirectas.
Capitão Santos
Combatente da Liberdade da Pátria»
*publicado no jornal Expresso das Ilhas