A imprensa noticiou à cerca de um mês atrás o propósito do actual executivo da Camâra Municipal da Praia (cmp) em construir casas sociais para os moradores dos bairros de Bela Vista e Safende. Como todos os caboverdianos gostam de dizer, somos exímios a implementar no nosso país medidas ou políticas públicas de outros países (principalmente de Portugal). Mas,porque resistimos tanto em aprender com os erros dos outros?È só vermos e analisarmos o caso de Portugal nesse domínio.A construção de bairros sociais, uma opção que está ultrapassada do ponto de vista arquitectónico e urbanístico,é uma solução que no contexto europeu já não é utilizada desde os anos 70.
Vários estudos indicam que a "concentração de população socialmente homogénea, mesmo quando é culturalmente heterogénea, traz problemas de socialização negativa, sobretudo entre os mais novos, gerando abandono escolar precoce e predominância de comportamentos menos disciplinados, entre outras atitudes.A passagem de barracas a alojamento em altura em bairros sociais permite melhores condições de habitação, mas muito piores condições de sociabilidade, vizinhança e integração".Entre essas atitudes,está a incivilidade,a criminalidade e deliquência juvenil e o total desenraízamento social.O que acontece nos bairros sociais é muito parecido com o que acontece nas prisões e em algumas das instituições respónsaveis pela integração social das crianças de/na rua: muitos saem de lá pior do que quando deram entrada nestas instituições porque estiveram expostas a uma dura socialização negativa (conviveram com ladrões e saíram mais ladrões do que eram quando entraram).Apesar de ser verdadeiro,não basta dizer que as causas socias desses fenômenos é a estrutura social desses jovens,a pobreza e exclusão social,a situação familiar,o desemprego,a influência da cultura negra norte-americana via exposição aos mêdia globais,etc.Para qualquer sociólogo,não basta demonstrar a correlacção entre duas ou mais variáveis.È preciso dar conta dos «mecanismos sociais» que fazem com que,entre vários jovens da mesma condição social,uns optam por serem «thugs» e outros não.Existe certamente inúmeras causas e medidas que podem ser implementados para combater a proliferação dos bairros clandestinos e a criminalidade.Muito desse tipo de criminalidade é também fruto da falta de planeamento urbanistico.Ora,como é que a CMP,atraves da sua Politica de Habitação, pode ajudar a luta contra a deliquência juvenil e,principalmente,contra a exclusão social? Esta criminalidade,cada vez mais violenta,não se resolve apenas com a polícia de proximidade e,a construção de bairros sociais,só vai tranferir os problemas de um lado da cidade para outro;é preciso uma nova geração de políticas públicas elaboradas por equipas multidisciplinares, suficientemente apetrechadas e capazes de trabalhar no terreno dos bairros problemáticos.
Uma solução deveria passar pelo «apoio à família e não pelo apoio ão betão». Como não dispõe actualmente de muito terreno para construção, a camâra deveria aproveitar o mercado imobiliário de forma a que as famílias dos bairros clandestinos possam ser alojadas de forma dispersa. O Estado e camâra deveriam apoiar no arrendamento, cobrindo o valor que o agregado familiar não conseguisse suportar ou um programa em que as famílias iam ao mercado escolher uma habitação com um determinado plafond definido pelo Estado.Outra das saídas,caso seja levado em frente a construção de um bairro social,seria a miscigenação deste tipo de bairros: x por cento dos fogos deveriam ser disponibilizados para o arrendamento jovem ou para casais em início de vida (e assim ajudar na política de habitação para jovens).
PS: eu não sou um especialista em sociologia urbana ou delinquência juvenil.Por isso,será normal que considerem esse meu post pouco fundamentado.No entanto,considero que essas medidas que apontei são,no minímo,digno de discussão...
5 comentários:
Tens uma certa razão Edy. Eu até percebo alguma coisa da delinquência juvenil, uma vez que tenho uma tese de licenciatura na área (sobre os thugs de lisboa) e torna-se evidente que apenas construir bairros sociais não chega (é só ver o que se passa actualmente em Lisboa). O problema cabo-verdiano não é não saber dos mecanismos sociais por detrás dos actos delinquentes mas sim saber utilizar certos atributos desses jovens de forma positiva. Isso é difícil numa sociedade dominada por ideolagias normativas (onde o jurista tem de estar presente em todos os estudos sociológicos . como se eles percebesses alguma coisa de sociologia). O grande problema neste país é a teoria da rotulagem. Acredita-se que um indivíduo por ser pobre, vive num bairro degradado, gosta de rap e veste-se de forma thug é automaticamente um delinquente e o lugar dele é na cadeia. O Estado e os nossos cientisas sociais invés de solucionarem o problema estão apenas a fabricar delinquentes. Exemplo disso é o último estudo (que nunca mais nigguêm viu) sobre a delinquência juvenil. Não sei que escola sociológica segues, mas eu sou um sociólogo da acção e como tal não posso aceitar estudos desse tipo baseados em paradigmas funcionalistas, onde se procura a solução nas instituições (e mais uma vez a equipa tem de ter um jurista - para quê? Afila estuda-se os delinquentes ou as leis?) e não os actores principais (os supostos delinquentes).
Podia dizer muita coisa, mas estou com pressa. Talvés um desses dias faço um post sobre isso.
Outra coisa: por acaso há uma nova vaga de sociólogos urbanos que acham que invés deslocar os problemas dos bairros problemáticos para outros locais mais bem arranjadinhons no início, para depois acontecer o que já sabemos, deveriam deslocar as famílias por vários bairros de estratos socais diferenciados. Para eles era a única maneira de tentar acabar com a desigualdade social geográfica no meio urbano. É controverso mas dá que pensar.
Boas Redy,
tanx pa comentário.
Uma das ideias defendidas por essa nova vaga de sociólogos urbanos é o que mencionei no post: juntar gente de bairros clandestinos com jovens e jovens casais da classe média.Assim,ao invês dos jovens que vieram dos bairros problemáticos continuarem a estar sujeitos a socialização negativa,vão socializar-se com jovens de outro estrato,vão inserir-se numa rede social "menos desviante"...
Aí está um tema que tem outra solução pouco (ou nada) experimentada...acho que não referiram isso no post nem nos coments.
E, com a experiência que conheço da Madeira, passa pelo seguinte: até há poucos anos, construía-se bairros sociais, levava-se para lá famílias de vários barracos e zonas degradadas (na Madeira também os há, claro), gente sem as mínimas condições financeiras, sem estrutura social equilibrada e, acima de tudo, sem educação para viver em comunidade, harmonia e vizinhança...ainda para mais quando se mete num mesmo espaço gente desconhecida.
Ora, como seria de esperar, isso gerou problemas se calhar ainda piores que os anteriores. E, hoje, há vários exemplos na Madeira de bairros sociais com famílias desestruturadas, droga, delinquência, violência...tudo do pior da exclusão social...
Modelo gasto, modelo para o lixo! Tente-se outra solução. E a solução actual, que pode estar a resultar é, sim, criar esses bairros, mas antes que essa gente seja amontoada nesses prédios, dar-lhes formação cívica.
Simples? Nem por isso...
Primeiro, porque para mudar mentalidades e hábitos é preciso tempo (ao longo dos meses que decorrem as obras de construção é uma hipótese).
Segundo, é preciso garantir que as pessoas estão preparadas para tal (talvez através de provas de aptidão e percepção da responsabilidade de receberem uma casa do Governo, gratuita ou a custos mínimos).
Terceiro, identificação e acompanhamento, através de uma equipa multi-disciplinar, de todos os casos, acima de tudo os mais difíceis (no fundo, uma espécie de assistência 'pós-venda').
Nem seria preciso referir que nada disto será possível sem a vontade das pessoas mudarem de vida! Mas também é preciso não esquecer que salários de miséria geram pobreza (e numa terra como Cabo Verde ainda pior), pobreza leva a potenciar outros itens negativos já referidos de exclusão social.
Não querendo parecer um 'comuna' desgraçado (como refere o Alberto João Jardim, presidente do Governo da Madeira), é só com melhor cobrança de impostos a quem lucra se poderá ter melhor distribuição de riqueza. Que é como quem diz, o Estado ter dinheiro para implementar políticas sociais reais...não é só construir, construir, construir e dar casas aos pobres. Se não tiverem educação e uma base familiar sustentada, nem todo o betão do mundo conseguirá mudá-los, mudar a face da sociedade e, no caso, da nossa terra.
É o que penso...espero ter sido perceptível. Abraço
PS: Promessa é dívida...falta começar a postar temas de debate. Mas lá chegaremos. :)
Muito bem...promessa é dívida mesmo.Mas ainda não começaste a pagar...Quanto ao teu comentário,tens toda a razão;os "excluidos" não tem apenas direitos mas também deveres...e um desses deveres,é "estimar" e "tratar" o apartamento que lhe é,básicamente,oferecido... Abraço
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