quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Os Padrinhos*

"(...).Na educação como em outros sectores da Administração Pública,sempre houve casos assim,a demonstrar que uns bons conhecimentos valem mais que o conhecimento propriamente dito ou a competência.(...).A primeira razão de um tão inveterado recurso ao tráfico de influências e à famigerada «cunha» são precisamente os atrasos e a má qualidade dos serviços prestados pela Administração.À falta de racionalidade e eficiência,as burocracias estatais incrementam,como vem nos livros há mais de um século,esquemas tribalistas ou sicilianos,em que os decisores atendem,antecipam e despacham em função da maior ou menor proximidade do requerente.Desde o mais humilde candidato a emprego,que continua a «fazer o pedido» e a presentear o solícito padrinho - tal e qual como o camponês que aparece,num belo e famoso fresco do antigo tribunal de Monsaraz,a levar um coelho para ver se cai nas boas graças do juíz - até ao empresário que possui formas mais sofisticadas de levar a sua avante e de se ver livre dos enredos burocráticos,ninguém acredita verdadeiramente nos serviços públicos,no seu normal funcionamento e na sua desejável transparência.Pelo contrário,toda a gente está convencida de que,sem um «empurrãozinho»,a coisa não vai lá.A partir desta ineficiência,que raramente é desmentida,cresce,então,por dentro da máquina do Estado,a cultura do caciquismo.O cacique,neste caso,é aquela figura que,possuindo algum poder legítimo,por força do cargo que ocupa,se convence de que possui um poder muito maior,a ponto de ignorar as leis ou de as interpretar como lhe dá jeito.Também aqui,são nítidos os resíduos de primitivismo,dos tempos em que chegar ao poder significava ficar com o poder todo,exactamente como os exemplos que se vêem,todos os dias,em repúblicas bananeiras.Que um simples delegado,ou director de qualquer coisa,se considere com margem de manobra para mexer nas regras do jogo e interferir em assuntos que deveriam processar-se com a neutralidade e a transparência que um computador pode garantir,revela e diz mais quanto aos atrasos da nossa Administração do que todos os estudos e auditorias alguma vez feitas ou por fazer.Mas há ainda,por impossível que pareça,um sintoma pior e mais revelador,que é o facto de alguns responsáveis continuarem a julgar,e a poder dizer em público sem que toda gente desate a rir,que este e outros problemas do género só se resolvem através dessa panaceia universal que dá pelo nome de «reformas das mentalidades».Há tantas décadas que se ouve falar disto,já era altura de se perceber,pelo menos ao nível das elites,que a dita reforma nunca foi senão um sinónimo da incapacidade ou falta de vontade de fazer qualquer reforma". (Diogo Pires Aurélio)

*hoje é dia internacional contra a corrupção

1 comentário:

Pedro Vieira disse...

Professor Diogo Pires Aurélio, grande mestre da teoria política e intelectual de fina estirpe. Matei, com este artigo, as saudades das suas aulas e a sua estilo incontroverso, quando estudei com ele na UNL...
Um abraço directamente de Cabo Verde